Anton Bruckner |
C. N.
Escreveu-nos Arai Daniele, como sempre muito gentilmente, após escutar o Requiem de Bruckner (vide O “Requiem em Ré menor” de Anton Bruckner):
“Nós podemos compreender, já no Requiem,
porque Bruckner foi pela sua música isolado e tantas vezes maltratado: no
seu baixo contínuo transparece a hora de tristeza, mas igualmente da glória do
Céu. Era ainda muito «católico» para os novos moldes do Romantismo
musical!”
Precisas palavras. Para que se confirmem – não bastasse a própria e sublime
música do compositor austríaco –, leiamos o que diz Alfred Einstein,[1]
um dos principais historiadores, intérpretes e admiradores do Romantismo musical:
“[Bruckner] não se enquadra em seu tempo senão na medida em que sua arte
é inconcebível sem o exemplo dos anteriores Beethoven e sobretudo Schubert e sem
a adoção que este fez da grande orquestra sinfônica do século XIX. Quanto ao mais, sua obra situa-se – em oposição à de Brahms, com seu caráter póstumo – quase fora do tempo. Ele [Bruckner] retoma com
toda a ingenuidade a grande forma quadripartida da sinfonia
beethoveniana e da Sinfonia em Dó maior de
Schubert, no quadro da qual inscreve por seu turno um conteúdo inteiramente pessoal e puramente musical, isento de todo ‘programa’ [...]. Na verdade, sua
música sinfônica não tem nada que ver com tais puerilidades ou trivialidades
[ou seja, com nenhum conteúdo programático]. Ela é saída da mesma fonte que sua música sacra, isto é, de
profunda religiosidade; seus movimentos lentos, tal como seus primeiros movimentos
e seus finali, encerram sempre o
caráter de um colóquio com Deus.[2]
As correspondências temáticas e simbólicas de suas sinfonias com suas missas e
seu Te Deum são aliás manifestas.
Ademais, entre todos esses primeiros ou últimos movimentos, não se encontra um
só Presto, e nem sequer um [autêntico] Allegro. Nenhuma paixão. Seu andamento é sempre solene, como o de
uma procissão, e o movimento não se afasta jamais de sua calma; mas esse
movimento não é o de uma emoção pessoal.[3]
[A música de Bruckner é] de suprema pureza e inscreve-se [, sim, de algum modo,] no quadro
tradicional, mas em relação com um mistério perceptível a nossos sentidos pela
irradiação sonora das cordas e sobretudo dos sopros; plena de pujantes crescendi que geralmente terminam numa apoteose quase barroca de todos os metais;[4]
monumental e ao mesmo tempo terna em seus menores
detalhes harmônicos e melódicos.[5] [A sinfonia bruckneriana] é arte
intemporal, vigorosa e monumental [...]”.
Quanto a nós, após um necessário excurso pelo que se pode e deve
aproveitar do Romantismo musical, confessamos: é com certo alívio e grande gosto que
voltamos ao leito da música de Anton Bruckner, efetivamente intemporal e sempre boa simpliciter.
[1] Em La musique romantique, tradução do inglês Jacques Delalande, Paris,
Galimard, 1959, pp. 187-188. – Os negritos serão nossos.
[2] Mas também seus Scherzi: sob a aparência de retrato da
calorosa paisagem austríaca, pulsa um intenso Gloria.
[3] Que maior diferença
pode haver com respeito à música iniciada por Beethoven, sempre egocentrada? –
O que porém Alfred Einstein não consegue captar é que, sem deixar de expressar uma emoção
religiosa objetiva, toda e qualquer música verdadeiramente católica tampouco
deixa de expressar uma emoção individual. Apenas, é uma emoção individual que
não se separa da emoção sentida por toda a Igreja, objetiva porque fundada na
objetividade suprema e comum da Fé, da Esperança e da Caridade.
[4] Trata-se sempre de um Alleluia.
[5] Como um correlato laico,
exatamente, de uma grande Missa solene, episcopal ou papal.
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