Jospeh Haydn compôs 104 sinfonias e é o inventor da sinfonia moderna. |
C. N.
Origens
e invenção
I. Comecemos por dar o étimo da palavra sinfonia: o lat. symphonìa, ae (ou seja, “harmonia
de sons; grupo de músicos, de cantores, orquestra; depois, certo instrumento
musical [viela ou sanfona, ancestral dos instrumentos de corda])” < gr. symphonía,
as (ou seja, “concerto de várias vozes, ou de diversos instrumentos,
concerto instrumental”). Entre o latim e o português, provavelmente serviu de
intermediário o fr. symphonie,
ou melhor, siphonie (entre 1120 e 1150).
II. Entre o fim do Renascimento
e o início do Barroco, sinfonia era outro nome quer de canzona,
quer de fantasia, quer de ricercar ou ricercarta, formas afins à tradição polifônica. Algum tempo depois,
já em pleno Barroco, passou a denominar ou a sonata trio, ou certa
sorte de sonata para numerosos instrumentos, ou ainda, depois, certo prelúdio de peças instrumentais.
III. Por outro lado, do século XVII ao XVIII, passou a chamar-se sinfonia a qualquer prelúdio, a qualquer
interlúdio ou a qualquer poslúdio instrumentais de oratório ou de ópera, ou
seja, quaisquer seções que contrastassem com as majoritárias seções vocais.
IV. Uma de tais seções instrumentais era a sinfonia
em três movimentos de abertura da
ópera italiana, o mais das vezes composta em ré maior para potencializar o efeito de júbilo entre o naipe de
cordas. Os dois movimentos extremos eram de andamento rápido, e o central de
andamento lento, como nas óperas de Alessandro
Scarlatti (1660-1725).
V. Por outro lado, na França, a ouverture – isto é, a abertura francesa – era muito distinta
da abertura italiana, e em certo sentido lhe era o oposto. Composta de um só
movimento em a-b-a, contava com extremos
de andamento lento e seção intermediária de andamento algo mais rápido. Esta
foi a forma de abertura preferida de Georg Friedrich Händel
(1685-1759),
que porém a adaptou segundo seu gênio próprio.[1]
Com efeito, a maioria das óperas e dos oratórios de Händel começa
com uma ouverture, a que ele por vezes, porém, chama sinfonia –
Sinfony –, como n’O Messias. Não obstante, Händel também empregou
o prelúdio e o interlúdio orquestrais ao modo italiano; é o caso da Introduzione
de Delirio amoroso, HWV 99.
VI. Enquanto isso, a sinfonia em estilo italiano, com três
movimentos, começa a assemelhar-se ao concerto, ainda que, ao contrário deste,
não conte com solista. Assim, por exemplo, em Antonio
Lucio Vivaldi (1678-1741), cujas sinfonias-prelúdio de ópera efetivamente
se aproximam de seus concertos.
VII. O caso de Johann
Sebastian Bach (1685-1750) é mais complexo. Por vezes, valeu-se do nome sinfonia
à antiga, ou seja, para denominar peças instrumentais de um só movimento, como
as Invenções, BWV 787-801, polifônicas
a três partes ou vozes (instrumentais). Por outro lado, se uma obra vocal sua
começava com um ou mais movimentos instrumentais independentes, chamava-a ou sinfonia
ou sonata, e compunha-a antes em estilo italiano que em estilo francês.
Exemplos: a Sinfonia que abre duas de
suas cantatas seculares (Non sa che sia dolore, BWV 209, e Mer Hahn
en neue Obekeet, BWV 212) e a de abertura (seguida de adágio) do Oratório
da Páscoa, BWV 249.
VIII. Ao longo século XVIII, todavia, por um lado, abertura foi-se firmando como o nome próprio do prelúdio
instrumental de obra vocal ou operística, o qual, por sua vez, se firmava como
forma antes assemelhada à abertura italiana, mas com caracteres próprios: motivo
condutor, reexposição antecedida de algum desenvolvimento temático, clima de
expectativa, ou seja, de irresolução. Mas, por outro, firmou-se a sinfonia italiana em três movimentos como composição orquestral independente, de que
são exemplos as primeiras sinfonias
de Joseph Haydn (1732-1809) e de Wolfgang Amadeus Mozart
(1756-1791).[2]
IX. Sucede, porém, que o mesmo Haydn fez que a sinfonia italiana independente
(a de concerto) e a abertura ou suíte ao modo francês se reencontrassem, para
mesclá-las: aos três movimentos da sinfonia agregou um quarto, como terceiro
movimento. Era o minueto, até
então movimento próprio de suíte. Valeu-se, ademais, da forma sonata[3] de então (o que implicava, por exemplo,
a possibilidade de começar em andamento lento o primeiro dos quatro movimentos
da nova forma sinfônica).
Nascia a sinfonia moderna, a potencialmente mais bela e mais profunda das formas
musicais não religiosas.
[1] Mas ouverture
também passou a denominar o movimento introdutório de qualquer suíte, ou a
mesma suíte, como é o caso das Aberturas em Estilo
Francês ou Suítes Francesas, BWV
831, de Johann Sebastian Bach.
[3] Forma musical constituída de exposição, de desenvolvimento e de recapitulação, empregada a partir de Haydn no
primeiro movimento não só de sonatas e de concertos, mas também de sinfonias. Também se
diz sonata forma.