Carlos Nougué
Memento mori.
Mike Nichols (Berlim,
1931-Nova York, 2014) foi um dos cineastas que introduziram a revolução
marcusiana no cinema americano: são dele The
Graduate (A Primeira Noite de um
Homem), Carnal Knowledge (Ânsia de Amar) e The Birdcage (A Gaiola das
Loucas), entre outras. Não era destituído de talento, mas o fim de seus
filmes o condenava à cloaca das artes.
Um dia, porém, chamou-me
um amigo a ver Wit (2001, telefilme
baseado numa peça de Margaret Edson), do mesmo Mike Nichols e com a atriz
inglesa Emma Thompson – e o filme surpreendeu-me muito, por várias razões.
Antes de tudo, porque se
trata de filme de fundo religioso, cristão, como se patenteia em uma de suas
últimas cenas (a da visita à moribunda de uma antiga professora sua), cena
inesquecível. A ideia orgânica do filme é exatamente esta: a salvação, in articulo mortis, de uma ovelha
desgarrada. A personagem principal, uma professora universitária de literatura
(Emma Thompson), inglesa, ateia e cheia de wit
(esprit, espirituosidade, essa nota tão
característica da alma inglesa de tempos atrás), descobre-se com câncer muito
grave. A partir daí, boa parte da película se desenrolará num monólogo impressionante
de Thompson em close, dirigindo-se sempre
à câmara – e isto sem resvalar a película para algo anticinematográfico. Com
efeito, em mãos menos hábeis (e é sobretudo aqui que surpreende Nichols) tal
recurso faz fracassar artisticamente um filme. – Mas a película conta ainda com
a beleza da trilha sonora: músicas de Arvo Pärt, de Henryk
Górecki e de Dmitri Shostakovich.
Duas notas negativas,
porém.
• Uma intrínseca: ao
final da película, uma cena mostra os seios da protagonista. É o mesmo problema de Nostalgia, de Andrei Tarkovski (para
entender o que digo, vide “Nostalgia”, de Andrei Tarkovski e “Rope”: uma pérola de Alfred Hitchcock). É
verdade que, como em Nostalgia, a
cena não se reveste de nenhum erotismo intencional. Mas isto não elimina o
problema.
• A outra extrínseca: no
Brasil, teve-se o péssimo gosto de dar ao filme um título com sabor de “autoajuda”
(Uma Lição de Vida). Mas não, de modo
algum: trata-se de uma como lição de
morte (até porque o filme não deixa de assinalar, crítica e precisamente,
o mascaramento da morte pela indústria médica). – Isso me lembra, aliás, algo
que me sucedeu a mim mesmo. Traduzi cartas de Sêneca a Lucílio na quais o
estoico defende o suicídio (parece que depois o filósofo mudou de parecer, mas
Nero acabou por condená-lo a suicidar-se...). Pois bem, qual não foi meu
assombro ao ver que o título comercial dado ao livro foi Aprendendo a Viver!?
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